segunda-feira, 23 de julho de 2007

 

Comentário ao livro "A Família em Rede" de Seymour Papert

Em 1997, ano do desenvolvimento do uso da Internet em Portugal surge o livro ‘A Família em Rede’ de Seymour Papert, onde o autor debruça-se sobre a influência do ambiente familiar na aprendizagem das crianças, deixando de lado a escola como meio dessa aprendizagem.

“A presença do computador irá indubitavelmente modificar a vida das crianças.” (pag. 26) || “Uma das maiores contribuições do computador é a oportunidade para as crianças experimentarem a excitação de se empenharem em perseguir os conhecimentos que realmente desejam obter.” (pág. 43)

Papert, relata-nos uma relação entre crianças e computadores como sendo um caso amoroso em que a presença deste no quotidiano das crianças, o fez tornar uma ferramenta de vida para estas, capaz de permitir a realização de diversas actividades intrínsecas ao seu desenvolvimento, como jogar, pesquisar, descobrir, comunicar o que faz com que as crianças, mais que os adultos, tenham maior facilidade em lidar com as novas tecnologias. Esta destreza por parte das crianças, está relacionada com o facto de estas tecnologias subsistirem no seu meio envolvente quando nascem, e ao facto de a infância ser um período em que as crianças são curiosas por natureza, gostam de mexer, sondar tudo o que as rodeia e tendo as tecnologias por perto é natural que desenvolvam um certo interesse para as usarem, enquanto os adultos encaram com algum receio toda esta evolução tecnológica.

Alguns pais ainda não sabem utilizar o computador, outros têm receio do uso por parte dos seus filhos deste equipamento, outros dão imensa liberdade aos seus filhos, para que estes explorem a presença do computador, pensando que ficam mais inteligentes.

“O que os pais precisam de saber sobre computadores não é a realidade sobre computadores, mas sim sobre aprendizagem.” (pág. 30) || Falando para os pais: “A minha mensagem é de que depende de si, muito mais do que aquilo que poderá pensar, o delinear do seu futuro e do dos seus filhos, no que diz respeito ao computador.” (pág. 44)

Num mundo cada vez mais globalizado, a relação de pais e filhos mudou significativamente. À falta de tempo dos pais estarem com os filhos, o computador veio colmatar uma possível solidão por parte das crianças e ocupar um lugar preponderante no decurso da sua aprendizagem. As crianças demonstram, de um modo mais fluente e sem medo de errar, uma maior capacidade de resolução de problemas ao contrário de muitos adultos.

"...As crianças, tal como todas as outras pessoas, não preferem a «facilidade», querem o «desafio» e o «interesse», o que implica «dificuldade»." (pág. 83/84)

Neste livro, Papert defende e bem, uma aprendizagem onde a criança deva interessar-se espontaneamente e empenhadamente sem imposição de normas fixas, em que inclui o uso da tecnologia na educação, de forma a permitir às crianças a possibilidade de aprenderem por ela próprias, de construírem os seus próprios conhecimentos e não de uma forma mecanicista, como uma forma de memorização. Contrapõe assim, os ‘ciberutópicos’ (acreditam nas tecnologias) e os ‘cibercríticos’ (alertam para os perigos que advém da tecnologia) na medida em que estes sustentam as suas posições através de uma aprendizagem resultante do engano.

Relaciona o construtivismo com a aprendizagem, contrariando a aprendizagem denominada de tradicional, em que o professor apenas transmite os conhecimentos necessários. Papert, advoga-nos que a criança deve construir o seu próprio conhecimento autonomamente e auto-dirigido, podendo usar neste processo de aprendizagem o computador, onde a criança deve ser ela própria a dominar o computador, podendo desta forma desenvolver a sua mente, assimilando e compreendendo melhor os factos.

Podendo ser uma boa ferramenta na aprendizagem das crianças, Papert sustenta que o uso de softwares educativos apenas tem interesse se for sujeito a uma rigorosa selecção, no sentido de despertar a aprendizagem da própria criança. Refere-nos a existência de mau software, de softwares enganadores onde o computador é o agente activo sendo a criança o agente passivo, e que estes favorecem reacções rápidas em vez de estimular um raciocínio contínuo por parte da criança.

" O escândalo da Educação reside no facto de sempre que ensinamos algo estamos a privar a criança do prazer e do e do benefício da descoberta." (pág.103) || “Pessoas que pode considerar companhias indesejáveis podem agora bater à sua porta digital dos seus filhos, introduzindo-se na sua casa, via computador.” (pág. 111)

Papert, no decorrer do livro, distingue quatro valores preponderantes no decurso da aprendizagem: a honestidade e engano, respeito, materialismo e o relacionamento na internet.

A presença destes valores está na essência do que considera uma boa aprendizagem. Ao ser-se honesto, integro, está sempre associado a um maior respeito e legitimidade. Tomemos como exemplo, o facto de a maioria das crianças não compreenderem o porquê de estudarem certos conteúdos programáticos. Caberá a nós, professores, fazer ver às crianças que todo o saber é importante num processo de aprendizagem contínuo e motivar a sua assimilação, apesar de poder ser menos interessante. Outro exemplo elucidativo que Papert nos dá, é deixar as crianças formularem teorias, descobrirem elas próprias o porquê de certos fenómenos que a rodeiam ocorrerem, despertando-lhes a curiosidade e o interesse, mesmo estando erradas, sabendo-as respeitar e mostrando-lhes qual o caminho mais correcto se for esse o caso. O respeito e a honestidade são assim, valores essenciais na relação ‘criança-pais-professor’.

O materialismo e o relacionamento com a internet são valores que vão ganhando cada vez maior espaço na sociedade actual. O uso do computador, como envolvente no processo de aprendizagem, ainda é observado com desconfiança mas está cada vez mais presente. A internet revolucionou o uso dos computadores e transformou-se numa existência obrigatória do nosso dia-a-dia. Sendo um meio muito amplo (permite usar o correio electrónico, estabelecer contactos com pessoas de todo o mundo através de chat´s, aceder a uma grande quantidade de informação sobre qualquer tema, jogar uma infinita gama de jogos, entre muitas outras possibilidades), tem muitos perigos para um uso livre por parte das crianças. Um acompanhamento e controlo por parte dos pais, torna-se necessário para as crianças não caírem nas muitas armadilhas existentes na Internet.

Com um conhecimento mínimo das muitas ferramentas ao dispor de um computador e internet, consegue-se desenvolver princípios orientadores para a escolha de projectos interessantes no processo de aprendizagem das crianças – a chamada aprendizagem por projectos.

Papert, não se esquece de destacar o papel sempre decisivo da Família na socialização e desenvolvimento de um indivíduo.

"A minha conclusão final consistia na recomendação aos pais para reconhecerem a necessidade de estabelecerem novas formas de relacionamento com os seus filhos e verem o computador como um meio para construírem coesão familiar, em vez de o considerarem um factor de desunião." (pág. 115)

É na família que obtemos as nossas primeiras competências, delineamos a nossa personalidade e damos os primeiros passos do nosso percurso de vida. É no seio da família que aprendemos a reconhecer valores tão importantes como o respeito, a honestidade, a amizade, valores essenciais em qualquer sociedade, uma vez que, é na família que se sustentam dimensões fundamentais na nossa vida colectiva e pessoal.

Em ‘A Família em Rede’, Papert desperta-nos para a possibilidade de utilizar o computador como forma de interacção entre pais e filhos, a chamada aprendizagem computacional. Tanto por parte dos pais como por parte dos filhos, se houver um apoio recíproco, ambos aprendem através do computador, fortalecendo as suas relações e não desdenhando as novas tecnologias nessa aprendizagem.

Nesta obra, o autor faz referência à utilização dos computadores nas escolas. Cada vez mais, as escolas portuguesas estão apetrechadas com mais computadores, com ligação de banda larga, apesar de ser ainda insuficiente a crer num relatório no final de 2006 da Comissão Europeia. Neste relatório, 92% dos estabelecimentos de ensino em Portugal têm acesso à Internet, mas o número de computadores existentes não chega a um por cada 15 alunos. É inevitável que a escola se molde aos novos desafios resultantes da sociedade.

“Será a Escola susceptível de sofrer uma megamudança?” (pág.212)

A escola está em mudança com a inclusão das novas tecnologias, e com o recente plano tecnológico para a educação que, prevê dotar cada sala de aula, com um computador, uma impressora e um projector. O uso de computadores terá que ser, assim, incentivado nas escolas e é inevitável que, a escola se molde aos novos desafios resultantes da sociedade actual. Ambiciona-se um novo caminho no decorrer do processo de aprendizagem, uma escola que consiga preparar os jovens para o futuro. “Ensiná-los a pensar. Exigir-lhes que aprendam!”

Os professores, pessoas com formação superior e intelectuais de merecida consideração, terão também a obrigação de ter uma formação contínua, para que devam ajudar os jovens a enfrentar o futuro, incentivando-os a utilizar as novas tecnologias. Já chega de viverem na permanente expectativa de uma nova lei, de uma nova reforma, de um novo currículo, de um novo modelo de gestão das escolas.

Em conclusão, ‘A Família em Rede’ de Seymour Papert, sendo um livro que descreve a utilização do computador por parte das crianças, o medo dos pais sobre a utilização que estas fazem destes equipamentos e das novas tecnologias presentes nas escolas, sustenta que o computador desempenha um papel preponderante no processo de aprendizagem das crianças.

Para Papert, é no mínimo estranho que, com novos recursos, como é o caso do computador, que em si mesmo poderiam constituir um factor de mudança substancial na forma de aprender, se continue na escola a fazer o mesmo tipo de trabalho que se fazia antes, visando o mesmo tipo de objectivos e sem que ocorra qualquer tipo de evolução a partir desse ponto.

“Aprender e ensinar só têm significado apenas quando ocorrem num contexto de reciprocidade.” (Pág.270)

Será sempre necessário fazer bem o nosso trabalho, exigindo condições para o efectuar, mas nunca esquecendo os valores primordiais da nossa profissão. Ser professor é ensinar, ensinar a aprender, a pensar, motivar, sendo exigente na avaliação das capacidades de progressão dos alunos.






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